Transplante de tecidos: um caminho para melhorar a qualidade de vida
A condição de vida de quem precisa de um transplante é complicada, mas somente 57% das famílias dizem sim para a doação
Bruna Scheifler e Elisiane Dinis
Localizada no interior no estado do Rio Grande do Sul, a cidade de Passo Fundo tem o único Banco de Tecidos Musculoesqueléticos (BTME) em atividade no estado. O banco do Hospital São Vicente de Paulo trabalha com tecidos musculoesqueléticos (ossos e tendões) e oculares (córneas). Ele enfrenta um dos maiores problemas da doação e transplante de órgãos: a aceitação das famílias. No Brasil, apenas os familiares podem autorizar a doação de órgãos, e no Rio Grande do Sul, 43% das famílias entrevistadas negaram a doação em 2017, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Sidinei explica o funcionamento do Banco (Foto: Bruna Scheifler)
A preocupação estética assusta muitas famílias e leva muitas vezes os entes a decidirem pela não doação dos tecidos, mesmo que concordem com a doação dos órgãos internos. “A preocupação da família, pelo o que eu vejo, é a parte estética, de como vai ficar esse doador após a retirada”, explica Sidinei dos Reis, enfermeiro do Banco. Uma das pessoas responsáveis por abordar as famílias e solicitar a doação é Fabiana Buzzato, enfermeira da Organização Por Procura de Órgãos e Tecidos (OPO). A explicação do procedimento para a família, é fundamental, segundo Fabiana. “Quando você senta e explica para uma família que se retira o globo ocular, que é colocado uma prótese, que não vai ficar um buraco aberto, essa família vai entendendo e tendo confiança no que você ta falando e com certeza elas mudam de ideia”, explica a enfermeira. Ela lembra que as famílias não têm a obrigação de conhecer todo o procedimento. “Tem que expor e fazer com que eles vejam o lado positivo de tudo isso”, destaca Fabiana.
O OUTRO LADO
O lado positivo do processo é o que Ingrid dos Santos do Rosário, de 24 anos, está vivendo. Ela passou pelo seu segundo transplante de córnea no começo de abril e agora se recupera da cirurgia com entusiasmo. “Agora eu não tenho do que reclamar, tem dias que fica embaçada a visão, mas nada muito grave”, conta a jovem. Ela teve seu primeiro transplante de córnea com 17 anos, devido a uma doença chamada ceratocone que afetou seus olhos. Ela aguardou por nove meses pelo transplante do olho direito.
Conheça a doença que transformou a vida de Ingrid:
No entanto, a primeira cirurgia também trouxe muitas complicações. “Tive vários problemas no olho, após o transplante. Depois de um ano e pouco, tive catarata e tive que esperar cerca de quase dois anos para poder fazer a retirada”, explica a jovem. Depois disso ela tentou utilizar lentes de contato, mas nenhuma funcionou, então ela realizou um novo procedimento, de laser para corrigir o astigmatismo, uma imperfeição na curvatura do olho que causa visão turva. “Hoje, um ano após, eu posso usar uma lente tranquilo”, afirma Ingrid.
Ingrid passa pelo processo de recuperação, ela ainda não pode olhar para baixo ou utilizar maquiagem (Foto: Bruna Scheifler)
O transplante do olho esquerdo de Ingrid demorou mais. Ela aguardou sete anos para entrar na lista de espera para receber a córnea. Durante esse período, ela utilizou diferentes tipo de lente no olho e há dois anos ela parou de enxergar. “Eu não conseguia mais enxergar com a lente, porque era como se ela cortasse a minha córnea, qualquer coisa ela caía do lugar, porque a ceratocone estava muito avançada”, conta Ingrid. Após muitas consultas, em fevereiro ela foi colocada na lista de transplante. “ Eu precisava voltar a trabalhar, precisa voltar a estudar, porque eu não conseguia fazer nada”, explica a jovem.
No dia 08 de abril deste ano, Ingrid realizou seu segundo transplante, agora do olho direito, sem complicações. “Foi tudo tranquilo, sem estresse nenhum, não senti dor, não senti nada”, descreve Ingrid, que afirma ter voltado a enxergar quase totalmente com o olho transplantado. Ao lado de sua família, ela continua fazendo seus tratamentos e mantendo o cuidado diariamente, esperando poder voltar para a sua rotina, começar um curso técnico e voltar a trabalhar. “Uma vida nova, realizar todos os meus sonhos, são coisas banais, eu só fico em casa, eu me sinto uma inválida, uma pessoa que não tem vida, então eu quero realizar meu sonho de voltar a trabalhar”, conta Ingrid, esperançosa, sobre seu futuro.
Após a experiência de receber um órgão, Ingrid tomou a sua decisão quanto a ser uma doadora e seu caso inspirou as pessoas ao seu redor:
