As vias percorridas pelo sangue doado

By on 8 de novembro de 2018 in Doação de sangue, Notícias

Por Dorli Kemmerich e Eugenio Siqueira (acadêmicos do curso de Jornalismo da UPF)

A atendente Morgana Tecchio bem à vontade durante a doação. (IMAGENS: Eugenio Siqueira)

Doar sangue é um gesto de amor. Amor ao próximo, altruísmo puro. Mas por que é tão difícil conseguir doadores?  Atualmente, o percentual anual de doadores brasileiros é de 1,8 %, quando o ideal seria de 3% a 5%. Se cada pessoa saudável doasse sangue espontaneamente, pelo menos duas vezes ao ano, haveria sangue suficiente para atender toda a população. Essa carência de sangue nos hemocentros passa pelo desconhecimento que a população tem de todo o processo que envolve a doação de sangue.

Você! Sim! Você que está lendo esta reportagem! Você sabe quantas vidas podem ser salvas com uma doação, com uma bolsa de sangue? A diretora da Hemoterapia do Hospital São Vicente de Paulo, Dr.ª Cristiane Rodrigues de Araújo, explica que com uma única doação é possível salvar até quatro vidas, uma vez que o material é separado em diferentes hemocomponentes: concentrado de hemácias (glóbulos vermelhos), concentrado de plaquetas, plasma e crioprecipitado que podem ser utilizados em diversas situações clínicas.

- É necessária a conscientização de que a doação de sangue precisa ser feita não apenas em épocas de campanhas para o reabastecimento de baixo estoque, mas durante todo o ano. O sangue doado tem sempre utilidade e nunca sobra, pelo contrário, faz falta. –  afirma Rodrigues.

 

CONHECENDO O CAMINHO

Poucas pessoas que procuram o setor de Hemoterapia do HSVP (ou qualquer outro banco de sangue no Brasil) para realizar uma doação, tem noção do que acontece com o sangue doado. Ele vai muito além da avaliação de condições e/ou fatores que impeçam a doação ou da coleta do sangue em si. Uma série de exames e processos muito importantes são realizados durante e após a doação. Além da separação dos componentes do sangue coletado, para que ele seja aproveitado ao máximo.

Mas, afinal, você sabe quais os componentes do sangue coletado em uma doação?

O sangue é composto por plasma, plaquetas, leucócitos, hemácias e fatores de coagulação. Destes, são os quatro primeiros que mais interessam em uma doação de sangue.

Fonte: Ministério da Saúde

Fonte: Ministério da Saúde

O CAMINHO DA DOAÇÃO

 

RECEPÇÃO: Quem pretende ser um doador deve se dirigir a um hemocentro, munido de documento de identificação e ciente de todos os requisitos e os impedimentos (temporários ou não) para a realização do processo (veja no quadro abaixo os requisitos para ser um doador). No local de doação, é preenchido um cadastro pessoal. O Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS – RS) dispõe do Sistema de Controle Geral do Sangue (VGS), que identifica todas as doações feitas no estado e compartilha as informações dos doadores com todos os hemocentros estaduais, agilizando o processo de identificação do doador, prevenindo doações irregulares e proporcionando mais segurança a doação.

TRIAGEM: Doador identificado, é hora das avaliações clínicas e hematológicas. A triagem analisa os antecedentes patológicos e fatores de risco que possam impedir a doação. Os sinais vitais também são medidos (pressão arterial, pulso e temperatura), o peso e a altura, quantidade de hemácias no volume total de sangue, determinando ou não a anemia. Para isso, basta um furinho no dedo e uma gota do líquido. Em caso positivo, o indivíduo não estará apto a doar.

Outra parte fundamental da triagem é a entrevista com o doador. Através dela, toma-se conhecimento dos hábitos do voluntário e de possíveis fatores de risco para doenças transmissíveis pelo sangue. Todas as informações são confidenciais. Portanto, é muito importante ser sincero em todas as respostas, evitando incidentes nas etapas de doação e transfusões sanguíneas. Em casos de constrangimento no momento das perguntas, o voto de auto exclusão pode solucionar o problema. Após um telefonema confidencial, a bolsa de sangue será desprezada, mesmo que os resultados dos exames realizados sejam negativos.

 

 

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Doação por aférese. (FOTO: Eugenio Siqueira)

DOAÇÃO POR AFÉRESE

Você sabia que pode doar apenas uma “parte” do sangue? Não estamos falando em quantidade, mas sim em componentes do sangue. Esse é o objetivo da doação por aférese. Nesse processo pode-se fazer a doação específica de plaquetas ou de hemácias.

Uma única doação de plaquetas por aférese equivale de 06 a 08 doações de sangue tradicional. Esse formato de doação gera menos riscos, trazendo assim os melhores resultados e benefícios as pessoas que recebem o concentrado obtido.

A máquina de aférese coleta o material, através da veia do doador. Por centrifugação a máquina separa o sangue do doador e retira somente as plaquetas (ou hemácias), devolvendo as outras células ao doador. O sangue mantém contato apenas com um material descartável e estéril que se chama kit.

Doação de plaquetas

Também conhecida por plaquetaférese, a doação de plaquetas é um procedimento simples e seguro que permite coletar até oito unidades de plaquetas de um único doador. Esse tipo de doação beneficia os pacientes que estão com algum problema no processo de coagulação sanguínea, especialmente aqueles com leucemia ou que estão sendo submetidos à quimioterapia

Existem algumas restrições que impedem a doação de plaquetas:

- O uso de medicamentos anti-inflamatórios impede a doação por cinco dias;

- O uso de medicamentos para controlar a pressão arterial da classe inibidores da ECA (Enzima Conversora da Angiotensina), por exemplo, captopril e enalapril, impede a doação enquanto em tratamento;

- Portadores de traço falciforme não podem doar;

- É necessário que o candidato tenha realizado uma doação (sangue ou plaqueta) há menos de um ano.

O procedimento dura de 90 a 120 minutos. O doador é acompanhado o tempo todo por um profissional.  A doação de plaquetas pode ser feita quatro vezes ao mês, com intervalo mínimo de 48 horas entre duas coletas. A medula óssea se encarrega de recompor rapidamente as plaquetas doadas.

A doação por aférese contém de 06 a 08 vezes mais plaquetas do que em uma doação tradicional beneficiando em muito os pacientes que recebem concentrado de plaquetas obtidas através desse tipo de procedimento, pois tem menor risco de reações transfusionais e melhor rendimento plaquetário. Um único doador pode, inclusive, beneficiar dois pacientes quando for possível realizar a coleta dupla, sem aumentar o tempo de coleta.

                     

      

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Fabiano Rodrigo Nunes durante doação de hemácias. (CRÉDITO: Eugenio Siqueira)

Doação de hemácias

A aférese é também utilizada para a doação de hemácias. O método é simples e seguro e permite coletar 2 bolsas de concentrado de hemácias de um único doador. Esse tipo de doação beneficia os pacientes com anemia e que possuem sangue raro ou Rh negativo.

A coleta de hemácias por aférese é realizada apenas por doadores Rh negativos ou com fenótipos raros. O homem pode doar hemácias a cada quatro meses; a mulher a cada seis meses. Além das condições exigidas para a doação de sangue total, é necessário observar alguns outros critérios:

- O uso de medicamentos como ácido acetilsalicílico (AAS) e/ou piroxicam impede a doação por dois dias;

- É necessário que o candidato tenha realizado uma doação há menos de um ano.

Através dessa doação, é possível obter uma quantidade maior de hemácias. Especialmente quando há necessidade de sangue fator RH negativo, que apresenta menor prevalência na população brasileira.

O que no início só tinha a motivação de conseguir um atestado para o trabalho virou uma rotina saudável para o Fabiano Rodrigo Nunes. Durante sua terceira doação de hemácias, ele conta que há seis anos já era doador assídua de sangue e que agora se sente importante, pois o setor de Hemoterapia do HSVP o convoca quando chega o momento da doação de hemácias:

- Fico feliz por estar ajudando. Pode ser que amanhã eu ou um familiar precise, então toda forma de ajudar é válida. Não custa nada e não dói – comenta Nunes.

 

Morgana Tecchio pronta para a doação. (FOTO: Eugenio Siqueira)

 

COLETA:

É nesta etapa a doação se concretiza. O doador é orientado a lavar os braços (local da punção) com água e sabão. A doação é feita com material estéril, descartável e padronizado, o que permite a coleta do sangue no tempo e quantidade adequados, além de assegurar que não haverá contaminação do doador. Ao puncionar a agulha, o primeiro jato (equivalente a 40ml de sangue) é separado para exames. Durante a coleta, o sangue vai sendo adicionado a bolsa junto a um anticoagulante que, junto ao movimento constante do aparelho, evitam a coagulação do sangue.

A atendente comercial Morgana Tecchio, de 27 anos, está se tornando doadora frequente na Hemoterapia do HSVP. Ela disse que desde a primeira doação sempre sentiu-se tranquila:

  – Essa é minha terceira doação e pela primeira vez senti que minha pressão deu uma alterada. Mas     o pessoal é   super atencioso, tanto que já estou me sentindo bem – comenta Tecchio, enquanto se preparava para a doação.

O volume máximo de sangue coletado é de 450 ml em um tempo médio de 7 a 10 minutos. A bolsa   que recebe o   sangue é identificada com um número de registro, para que em caso de alguma   ocorrência em exames, o  doador possa ser identificado.

 

 

Fonte: CEVS/RS

Fonte: CEVS/RS

PÓS-COLETA

1- Processamento do Sangue

Logo após a coleta, o sangue é processado em hemocomponentes. Através da separação do sangue por centrifugação surgem os componentes: concentrado de hemácias, plasma fresco, crioprecipitado e concentrado de plaquetas. Estes componentes são armazenados em condições diferentes para que se obtenha o melhor aproveitamento. O concentrado de hemácias fica armazenado entre 2 e 6°C; plasma e o crio congelados a -20°C as plaquetas em agitação continua em temperatura de 22°C

2 – Pré-Estoque

Após o processamento do sangue e identificação dos hemocomponentes, as bolsas são armazenadas no pré-estoque aguardando os resultados dos testes laboratoriais.

3 – Imuno hematologia e Sorologia

O laboratório de Imuno hematologia realiza a tipagem sanguínea por exames especializados (fenotipagem ABO, determina o fator RH, realiza pesquisa de   D-fraco, detecta anticorpos irregulares) e investiga a presença de hemoglobina anormais. Os exames sorológicos identificam doenças passiveis de transmissão sanguínea previstos na legislação brasileira seguindo padrões internacionais de qualidade laboratorial (Hepatite B e C, HIV, doença de chagas, sífilis e HTLV). A metodologia utilizada é muito sensível, pois busca garantir a segurança transfusional.  Caso seja verificada alguma alteração, em qualquer teste realizado, as bolsas são descartadas e o doador é comunicado, para prosseguir com novos exames.

4 – Estoque

As bolsas liberadas e rotuladas A partir deste momento, as bolsas ficam disponíveis para transfusão de acordo com a validade de cada hemocomponentes (concentrado de hemácias 35 dias, plasma e crio 12 meses e plaquetas 5 dias)

 

 

Doação de sangue só gera um sentimento, uma sensação: dever cumprido. Totalmente indolor, a doação reforça o papel do cidadão. De fazer o bem sem saber a quem. A falta do estoque de sangue em um hospital pode levar ao cancelamento de cirurgias e de procedimentos. A assistente social da Hemoterapia do HSVP, Larissa Schons cita o paciente que faz quimioterapia como exemplo, pois, caso não receba o auxílio da transfusão, poderá não resistir ao tratamento.

- Além disso, tem o risco (e enorme prejuízo ao paciente) de adiar cirurgias cardíacas, transplantes de rim, de fígado, de medula óssea, entre outros procedimentos que necessitam de sangue e de plaquetas. Isso pode determinar a morte de alguém – comenta Schons.

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